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sexta-feira, 23 de julho de 2010

“Problema resolvido no local”

No dia-a-dia do rádiopatrulhamento, principal atividade desempenhada pelas polícias militares brasileiras, a frase que intitula este texto é ouvida não raras vezes. Mas o que o policial quer dizer quando afirma que um problema “foi resolvido no local”?

Analisando-se friamente a atividade policial militar, quando a central de operações determina a uma guarnição que realize a averiguação de certo fato – denúncias de brigas, dano ao patrimônio, perturbação do sossego, uso de drogas e outras – só há duas possibilidades: a existência, ou não, do delito.

Caso tenha ocorrido, cabe ao policial realizar o registro, levantando todos os dados e circunstâncias, caso não, cabe informar à central que a denúncia não se confirmou. Se a resposta à nossa pergunta for “sim” e os infratores estiverem cometendo o ato delituoso no momento em que a polícia chega, na maioria dos estados brasileiros, não há alternativa legal: condução à delegacia.

E o que é essa quarta medida, que chamamos de “resolver o problema no local”? Em muitos casos, a expressão é sinonímia do disposto no Artigo 319 do Código Penal Brasileiro:

Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Ao ver uma briga ocorrer, digamos que policiais aparentemente acalmem os envolvidos, e ambos se comprometam a ir para casa e deixar a rusga de lado. Após os policiais se retirarem, um deles resolve não cumprir o acordo, vai em casa, apanha uma arma e mata o desafeto. Sem registro de que tomaram a medida legal, pois de fato não tomaram, os policiais podem ser alcançados por não terem chegado ao fim devido da ocorrência.

Um possível recente caso de “resolução no local” ocorreu quando policiais militares do Rio de Janeiro liberaram o motorista que atropelou o filho da repórter Cissa Guimarães:

“Os policiais do 23º BPM (Leblon) que liberaram o motorista do Siena preto que atropelou o filho de Cissa Guimarães, após abordagem, serão afastados das ruas até que a polícia apure os fatos. A medida foi anunciada pela corporação nesta quarta-feira. Em nota, a assessoria de Polícia Militar informou ainda com os novos dados apresentados a Corregedoria Interna irá apurar “com rigor” todo ocorrido.”

O carro em que o responsável pelo atropelo conduzia “estava com o para-brisa, para-choque e farol quebrados, além de capô muito amassado”.

Também cabe aqui a consideração de outros fatores, primordiais na avaliação da cultura de omissão que permeia o serviço policial militar quando estamos tratando de ocorrências aparentemente simples. O fato é que aplicar a lei pode significar o travamento do serviço policial ostensivo, já que a organização do sistema de segurança pública atual baseia-se na apresentação à delegacia de polícia, onde os procedimentos chegam a durar horas.

É preciso priorizar ações “relevantes” – apreensão de drogas (tráfico) e armas, averiguação de homicídios e roubos etc. No caso em destaque, para apreender o veículo do responsável pelo atropelo, seria necessário esperar pelo menos meia hora, com sorte, para que o guincho chegasse, e os policiais, segundo se diz pela imprensa, não portavam sequer os formulários necessários à apreensão do veículo e autuação do infrator.

Em dados momentos, descumprir a lei é garantir o serviço prestado à sociedade, em outros, descumpri-la trará pesado ônus para o policial que se aventura. Nesse caos do atual sistema de segurança pública brasileiro, onde os recursos são escassos e as necessidades ilimitadas, a “flexibilidade” e o “bom senso” de cada policial vão produzindo o que se pode de resultado. E os cursos de formação nas PMs ainda apregoam um profissional retilíneo, sisudo, que ignorem o apelo à subjetividade…

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